mãe, você me repete : você precisa matar seu pai, você precisa matar seu pai. não. está fora de questão, sentem e conversem, os dois juntos, tantos anos depois. sobre mim, sobre vocês.
façam um blog, que sei eu, uma máquina de falar.
sobre essas histórias engasgadas pelas tantas anistias, armistícios, interditos, e doenças degenerativas a que nos acostumamos. mãe, eu tenho a objetiva no limite da subjetividade, eu tenho a arma e não vou disparar. ora, você me pergunta : como não ? por que não ? que história é essa ? ora, mamãe, porque não é mais surpresa, a violência, o silêncio, o tédio, o medo, os anos '40, os anos '60, é a nossa história, eu sei, coisas da experência [a inocência ! a inocência !]. porque posso sentir toda essa memória clandestina, essa marginália que vocês devem ter vivido com seus pais ha tanto tempo, como se inscrita na minha própria vida secreta [a adolescência ! a adolescência !]. porque sinto poder tocá-la dos meus dedos brancos, é só meter a mão pelo forro do meu bolso de menino reservado [oh, shhht !] e sabê-la exatamente onde estranhamente sempre esteve. porque sinto poder acariciá-la ao meu prazer, sentir sua textura específica, seu peso, sua profundidade. porque sinto que poderia quase ler meu nome completo gravado [em alemão, letras góticas] numa bala em seu tambor :
você vê, Mãe ? você me vê ? disparando à queima roupa ? "le mythe est une parole", Roland Barthes, 1958.
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