24 de janeiro de 2009

Confissão (2/3): efeitos: minha mãe lê o texto anterior. leu? leu? pergunto, mas não digo porque era pra você, sabe? para ela, que é então quem me escreve do Rio de Janeiro, ontem mesmo, porque ela sabe que importa: li, reli, tentei traçar um gráfico espacial, dividir em 3 partes ainda não escritas e formalizar um pensamento a respeito. mas alem de achar meu filho um gênio, eu, pobre mãe, com limitadas visões sobre a tridimensionalidade das palavras, não entendi nada — e isso é só amor, penso. isso é todo amor, justo eu que não sei mais o que é, se é, ou existe, ou convulsiona. mas aí, assim, me é coisa tão familiar, esse amor essa mãe tão próximos, esse jeito de falar, assim deboche assim carinho, que é como se a ouvisse agora, aqui do meu quarto em Paris, jogando no tempo da sua voz essas coisas bonitas escritas no espaço do écran do computador. mas ela segue: é certo que temos um cubo e uma horizontal em C, um tempo que se comprime dentro dele e que escapa. fora isso, não entendi. — como não, mãe? como não? o que é que tem para se entender? não tem isso de entender. você disse tudo, um cubo e uma horizontal, você esteve aqui esses 20 dias, você viu tudo: o tempo se transformando em espaço, se comprimindo e enrijecendo no traçado de linhas retas, no volume irrespirável de três semanas inteiras esmagadas n’um cubo e n’uma horizontal. — horizontal em C, ela disse. C de cama, mãe, C de cama. porque você viu tudo nos meus olhos, no meu corpo estendido E, na minha vida reduzida à res extensa, todo um sentimento de mundo escorrendo pelos lençóis, que é de onde custo, esforço, confusão, gravidade, embaraço, impedimento, etc. significaram como nunca um corpo na cama. uma coisa atrasada estirada desmunda e que não poderia. ali. nada. levantar. me, à mim, eu, E, não, estou, estava, estive: aí, você viu. com ela, com você, esses dias. quando esteve aqui, e queria me ver mas acabou vendo E em C. a juventude que ela ajudou a empacotar e colocou n’um avião, chorando, em 03.09.08 para tomar rumo, agora inerte como a matéria de B. fazendo o que faz a matéria, à um só tempo comprimindo-o em espaço de quarto, de cubo, de linhas no espaço, e distendendo-o em imobilidade, em substância. pois que o amor veio ver um filho e encontrou uma substância, um ponto (-3, -4, 2) em x, y, z, tentando manipular o tempo de fora (do tempo), tentando fazer todo o trabalho que não pôde antes, desde 04.09.08 ao menos (mas muito muito antes), em menos de 1 mês. eu, o próprio tempo feito espaço, escrevendo coisas que não poderiam soar senão como ironias, tonterias de uma hipocrisia de que já não mais me julgava capaz, coisas como: sous les formes qu’on lui avait donné jusqu’alors [spatiales], le temps ne pouvait apparaître justement qu’en tant que donnée, chose toute faite, élément de mobilité sur un plan fondamentalement statique. ora, mãe, como explicar ao senhor professor que rasga trabalhos atrasados, que estive fora do tempo real, do seu tempo, do seu pouco tempo aqui comigo, te fazendo sozinha em Paris mesmo no meu quarto compactado em cubo, justo por causa de B ? porque estive ocupado tendo de lidar com a necessidade de entender o tempo real? e o meu erro, inerente à toda condição humana, de concebê-lo como un complément, quatrième dimension enrichissant peut-être les trois autres d’une certaine relativité, mais n’altérant pas la façon d’être des objets hors du temps venant y prendre place, venant s’étendre, ou en un mot : être. como E sobre C, inerte no espaço, deixando escapar o tempo. em 22.01.09 está tudo entregue e ela já foi. tudo exceto uma prova de alemão, amanhã. que não farei porque não faz sentido. e já de volta ao Rio ela me pergunta: você desistiu completamente? mas ainda tinha tempo... e eu: desisti não faz tempo, não faz o sentido do tempo, não leva o tempo em conta. e ela, depois: não fica triste nem nervoso... eu sei que você fez o melhor, tá? e ela está falando dos estudos, mas eu sei que não é só isso, ela está me desculpando por esses 20 dias como n’uma última contração antes da implosão de 2008, — não vi onde você botou a família no cubo, ela diz, como n’um beijo de despedida, da casa dela, do Rio de Janeiro, ali mesmo na plataforma da linha 11 em Châtelet, meu coração está partido, seja muito feliz aqui. porque não tenho passagem de volta marcada, e agora a mala já está desfeita, resta arrumar, porque este outro cubo já está vazado. porque agora é te amo, fica bem, de verdade. e ela diz ainda, como que n’um p.s. ontem: esqueci de dizer que graficamente falando o texto está muito bem desenhado. tudo parece um trabalho mais a ser visto e menos a ser entendido. você entendeu tudo, mãe, quem não entendeu nada fui eu, deitado na cama, o Bergson já sabia. você intui a verdade do tempo, os lábios tocando meu rosto, à distancia, e como dizendo acorda, coração.



— mãe, se você ler esse texto me liga: 06 25 45 56 75. porque ele é pra você. saudades.

14 comentários:

Anônimo disse...

talvez seja tpm, talvez saudade sem destinatário, o rio de janeiro ou alguma feminice; mas chorei de cabo a rabo. as palavras atiçam.sua mãe tem toda razão.

Daniel Jablonski disse...

foi incrível ter te conhecido, menina do nome lindo.

Anônimo disse...

Aliás,caro Daniel,
a saudade mora na gente ou agente mora na saudade?Por ora, o sentimento que restaura ao tempo perdura enquanto a emoção em seu nobre coração reluz e faz tudo cintilar tamanha gravura que escapa qualquer razão e entendimento.

Daniel Jablonski disse...

Caro José Dias, não estaria o senhor tentando ontologizar a questão do tempo, estaria? porque então nada seria mais grave, nada seria mais fora de propósito. Ainda assim, agradeço o interesse pelo tempo alheio, que pelo visto já não é tão alheio.

Anônimo disse...

Como é possível ontologizar o tempo?
se o ser participa do tempo e da eternidade numa sincronicidade!

Anônimo disse...

Afff... ! ao invés de ler o Bergson, acho que um bom tomada de st. Agostinho seria necessária a ti.

Daniel Jablonski disse...

está registrado, como tudo mais.

Alice Sant'Anna disse...

esse foi de arrepiar, estrapolar o cubo, sentir saudade mesmo quando se está perto. obrigada por isso, um beijo.

Lucas C disse...

"tudo parece um trabalho mais a ser visto e menos a ser entendido" : corroboro, total, desdobra fibra por fibra.
Labios, acorda coraçao : ta na hora moleque, é tempo ja.

Anônimo disse...

e eu só ouvi o teu silencio..fiquei mal..voce podia ter me avisado...

Anônimo disse...

é me conhecendo um pouco...podia ter me dito...(inconfessavelmente, eu achei que voce tava querendo distancia e eu como mae, sofria em silencio)

estou com muitas lagrimas no rosto, de saudades e de emocao ...voce nunca me diz nada e isso é muito...

Anônimo disse...

é tudo lindo..se voce soubesse como pensei coisas esses dias..sobre te perder um pouco todos os dias
pensei neste meio tempo, que desencontro é algo que acontece no tempo, se uma pessoa nao avisa para a outra que o tempo esta lá, disponivel, para ela.

Anônimo disse...

penso em voce ai, tentando solucionar problemas que nao demandam soluçao e sao eternas questoes a serem avaliadas em todas as nossas pequenas decisoes de todos os dias.
questoes de fundamental importancia:faço agora ou depois? protesto desta vez ou deixo para quando a raiva vier?acordo ou durmo? amo ou deixo para lá? desejo ou me desejam?
na duvida, meu filho, tira o coraçao da cama e carrega ele com voce no peito...ele vai te proteger

Anônimo disse...

Para refletir ao escrever:
todas as vezes que voce diminuir o texto ENORME, a açao vai ficar mais precisa, mais realizada.
Mas, cuidado! voce é um escritor: muita gente vai te ler. na mesma proporçao que voce vai falar e se expor..tudo vai ser mais lido e discutido para ser mais tocado e tocar mais os que sentem e nao confessam.