30 de janeiro de 2009

Confissão (3/3) postura: E/L.1 mãe, ontem eu acordei para destruir Montmartre. porque tinha de fazer, alguém tinha de fazer. porque, parece, hoje ainda há o que se destruir em Montmartre, espèce de vielle lèpre romantique, monticule scrofuleux, pourriture des siècles à laquelle on tient encore. por que? ora, parce qu’on s’y attache, tout bêtement, parce que voilà, on se dit bah.. c’est beau, quoi ! et puis comme c’est là depuis toujoursj’ sais pas, moi… ça vaut le coup d’en garder, non ? et puis on reste , à Montmartre. assis em seus pequenos cafés ou cabarets artistiques, encantados com a auto-suficiência do seu mercado bric-à-brac, seu cemitério d’objets d’art. — t’as connu ça aussi, n’est-ce pas, maman ?

24 de janeiro de 2009

Confissão (2/3): efeitos: minha mãe lê o texto anterior. leu? leu? pergunto, mas não digo porque era pra você, sabe? para ela, que é então quem me escreve do Rio de Janeiro, ontem mesmo, porque ela sabe que importa: li, reli, tentei traçar um gráfico espacial, dividir em 3 partes ainda não escritas e formalizar um pensamento a respeito. mas alem de achar meu filho um gênio, eu, pobre mãe, com limitadas visões sobre a tridimensionalidade das palavras, não entendi nada — e isso é só amor, penso. isso é todo amor, justo eu que não sei mais o que é, se é, ou existe, ou convulsiona. mas aí, assim, me é coisa tão familiar, esse amor essa mãe tão próximos, esse jeito de falar, assim deboche assim carinho, que é como se a ouvisse agora, aqui do meu quarto em Paris, jogando no tempo da sua voz essas coisas bonitas escritas no espaço do écran do computador. mas ela segue: é certo que temos um cubo e uma horizontal em C, um tempo que se comprime dentro dele e que escapa. fora isso, não entendi. — como não, mãe? como não? o que é que tem para se entender? não tem isso de entender. você disse tudo, um cubo e uma horizontal, você esteve aqui esses 20 dias, você viu tudo: o tempo se transformando em espaço, se comprimindo e enrijecendo no traçado de linhas retas, no volume irrespirável de três semanas inteiras esmagadas n’um cubo e n’uma horizontal. — horizontal em C, ela disse. C de cama, mãe, C de cama. porque você viu tudo nos meus olhos, no meu corpo estendido E, na minha vida reduzida à res extensa, todo um sentimento de mundo escorrendo pelos lençóis, que é de onde custo, esforço, confusão, gravidade, embaraço, impedimento, etc. significaram como nunca um corpo na cama. uma coisa atrasada estirada desmunda e que não poderia. ali. nada. levantar. me, à mim, eu, E, não, estou, estava, estive: aí, você viu. com ela, com você, esses dias. quando esteve aqui, e queria me ver mas acabou vendo E em C. a juventude que ela ajudou a empacotar e colocou n’um avião, chorando, em 03.09.08 para tomar rumo, agora inerte como a matéria de B. fazendo o que faz a matéria, à um só tempo comprimindo-o em espaço de quarto, de cubo, de linhas no espaço, e distendendo-o em imobilidade, em substância. pois que o amor veio ver um filho e encontrou uma substância, um ponto (-3, -4, 2) em x, y, z, tentando manipular o tempo de fora (do tempo), tentando fazer todo o trabalho que não pôde antes, desde 04.09.08 ao menos (mas muito muito antes), em menos de 1 mês. eu, o próprio tempo feito espaço, escrevendo coisas que não poderiam soar senão como ironias, tonterias de uma hipocrisia de que já não mais me julgava capaz, coisas como: sous les formes qu’on lui avait donné jusqu’alors [spatiales], le temps ne pouvait apparaître justement qu’en tant que donnée, chose toute faite, élément de mobilité sur un plan fondamentalement statique. ora, mãe, como explicar ao senhor professor que rasga trabalhos atrasados, que estive fora do tempo real, do seu tempo, do seu pouco tempo aqui comigo, te fazendo sozinha em Paris mesmo no meu quarto compactado em cubo, justo por causa de B ? porque estive ocupado tendo de lidar com a necessidade de entender o tempo real? e o meu erro, inerente à toda condição humana, de concebê-lo como un complément, quatrième dimension enrichissant peut-être les trois autres d’une certaine relativité, mais n’altérant pas la façon d’être des objets hors du temps venant y prendre place, venant s’étendre, ou en un mot : être. como E sobre C, inerte no espaço, deixando escapar o tempo. em 22.01.09 está tudo entregue e ela já foi. tudo exceto uma prova de alemão, amanhã. que não farei porque não faz sentido. e já de volta ao Rio ela me pergunta: você desistiu completamente? mas ainda tinha tempo... e eu: desisti não faz tempo, não faz o sentido do tempo, não leva o tempo em conta. e ela, depois: não fica triste nem nervoso... eu sei que você fez o melhor, tá? e ela está falando dos estudos, mas eu sei que não é só isso, ela está me desculpando por esses 20 dias como n’uma última contração antes da implosão de 2008, — não vi onde você botou a família no cubo, ela diz, como n’um beijo de despedida, da casa dela, do Rio de Janeiro, ali mesmo na plataforma da linha 11 em Châtelet, meu coração está partido, seja muito feliz aqui. porque não tenho passagem de volta marcada, e agora a mala já está desfeita, resta arrumar, porque este outro cubo já está vazado. porque agora é te amo, fica bem, de verdade. e ela diz ainda, como que n’um p.s. ontem: esqueci de dizer que graficamente falando o texto está muito bem desenhado. tudo parece um trabalho mais a ser visto e menos a ser entendido. você entendeu tudo, mãe, quem não entendeu nada fui eu, deitado na cama, o Bergson já sabia. você intui a verdade do tempo, os lábios tocando meu rosto, à distancia, e como dizendo acorda, coração.



— mãe, se você ler esse texto me liga: 06 25 45 56 75. porque ele é pra você. saudades.

22 de janeiro de 2009

Confissão (1/3): análise. tem já aí um tanto de tempo. aí mesmo digo, nessa figura, não em geral. tempo encerrado nos 3 eixos que sustentam o cubo que é o meu quarto suspenso no espaço da rua Henri Dubouillon como extensão nos eixos x, y, z. tem uns 20 dias coisa de 3 semanas cúbicas de tempo, calculo assim, por alto. anoto: 

o tempo que passei em C (de cama), ocupando uma mesmo posição E (de Ego). assim de olho, diria que bem como P (de Porta da cozinha — o limite superior, bem entendido) está em (3, 0, 5), E esteve por aí em (-3, -4, 2) de acordo com o padrão de orientação x, y, z. À partir da origem pontual (0, 0, 0) E orientou-se por essas 20 unidades de intervalo (tempo) que são os dias da semana (e do fim de semana) e que permitiram todo o movimento — embora pouco, coisa de dizer a verdade — executado então. Curiosamente, E passou estes intervalos de tempo basicamente no espaço C por ter de fazer um trabalho terminal (comprimindo nesses 20 inúmeros outros despendidos com outras atividades) sobre Bergson (aquele mesmo que não gosta de gavetas, de registros porque a memória não trabalharia em cartório, não necessitaria de burocratas nem de carimbo ou estampilha). chamemos, por comodidade de notação, Bergson de B. mas ora, vejam só! sobre o que mais versava o trabalho (T) a ser executado por E no intervalo E-E’ (sendo E’ o mesmo E 20 unidades mais tarde) senão sobre certa crítica endereçada da parte de B ao todo do pensamento ocidental (TPO) justamente acerca de uma suposta espacialização do tempo ? sobre o fato de B (extraindo-se intuitiva e discretamente do conjunto da condição humana [CH] — da qual participa TPO como sub-conjunto) notar uma certa tendência ([t]. obs: não confundir com T, de trabalho) inerente à CH (ah, esse homem! sempre aprontando das suas) à importar os critérios, projeções e fantasmagorias próprias à sua experiência, que é sobretudo a do espaço como receptáculo da matéria inerte ([MI]. ex: como E em C) em sua análise do fenômeno do tempo ? tendência à derivar o movimento do tempo da inércia do espaço, a heterogeneidade do tempo da homogeneidade do espaço, a dimensão do tempo dos eixos x, y, z do espaço. para fazer simples: a tese de B é: ninguém entendeu nada sobre o tempo, sobre a verdadeira dimensão do tempo, antes de B, do tempo de B, faute d'espace! faute à l’intelligence! faute à l’expérience! — diria ele (B).  Para maior clareza notemos apenas: ninguém (n) significa TPO (sub-conjunto que acaba por representar CH — pois que é afinal o (sub-)conjunto que interessa sobremaneira à B, sendo ele filósofo (f), e portanto elemento participante do sub-conjunto que é TPO). deduzimos naturalmente duas coisas: 1. B, estabelecendo uma critica à TPO, extrai a si e à todo o “(sub-sub-)conjunto f” da CH e sua experiência do espaço; como? com o elemento inesperado intuição (i) modulação da inteligência que é a condição da apreensão filosófico do tempo real, não derivado. e por outro lado, 2. E, sendo ≠ f (e portanto ≠ B), naturalmente um elemento participando ao sub-conjunto TPO (e este respectivamente à CH), fica absolutamente claro por meio dessa demonstração que aquele primeiro (E) não pôde compreender o tempo real, não teve tempo para isso, ocupado que estava pelo tempo falso, reversível, quantitativo, tentando comprimir algo como 80 unidades de duração em 20, na posição C (de cama) dentro do quarto dentro do espaço x, y, z.

3 de janeiro de 2009

em 02.11.07 uma re-leitura de André Breton na minha sala de jantar, que era pra fazer sentido da beleza convulsiva de Paris em 1927, portanto, 80 anos antes, lorsque lui, il s'enferma dans le manoir d'Ango, près de Varengeville-sur-mer, pour écrire Nadja, se trouvant à un carrefour important de sa vie privée. Parece que então, aos 31, na mesma dobra 7-8 (1927-1928) la parution du récit finit par marquer aussi un détour important de son œuvre par l'Amour fou
et du mouvement surréaliste.
que era texto, desenho e amizade. uma dobra desviante, para o surrealismo, e que angula em 29.12.08 na strada SS439 direção Volterra, na letra cantada ao vento frio d'um posto de gasolina qualquer; coisa como non esiste l'amor, un altro 45 giri che Celentano porta al sucesso dominando la hit di vendita dell'estate '61 e canzone super-gettonata nei juke-box sulle spiagge in quella stagione. Tese de não-existência do dito sentimento, sustentanda por Adriano C., nascido precisos 10 anos depois do amor convulsivo e louco de Nadja, portanto em '38. Figurando já aos 22 em La Dolce Vita de 1960 (como ator que era também bem como todo italiano modelo '60), na cena da pseudo-antiga boate romana, onde Marcello faz sua primeira investida em Sylvia; e tornando-se estrela de primeiro plano na Itália de Fellini, lançando até 2008, 40 albums, 3 ao vivo e 8 compilações; críticos acusam '68 como o seu ano: melhor atuação, em Serafino, dirigido por Pietro Germi, e lançamento do que viria a ser sua música mais conhecida, Azzurro, com letra de Paolo Conte.
enfim, não sou só eu a pensar sobre/ isso/ nisso, eu sei, no amor naquele ano '08, e não só no Rio de Janeiro, não só com os subterrâneos, não só com música, não só com letra
mas com um movimento de corpo inteiro


mas é que então, o amor, lui, il est fou ('27-'07) ma non esiste ('61/'68-'08), ou o contrário; e eu não entendo o que se passou nesses intervalos 28-68-08, que tempo foi esse; nem o que passava pelo corpo da juventude de Breton aos 31 em 28, nem na de Celentano aos 30 em 68; eu não sei o que se passa na minha aos 22 em 08 -- nem o que se passa nem o que é isso, justo isso, o amor, que eu jurava saber, de tanto pensar, de tanto escrever, de tanto sugerir coisas e teses sobre ele, de existência ou inexistência, de valor ou de grau; ora, vamos lá, eu não sei mais o que é, há um ano já, e talvez por isso em algum momento tenha tido de guarda-lo n'uma mala com as minhas roupas e meia dúzia de livros que me diziam alguma coisa, despacha-lo do Galeão à Roissy CDG, para acabar guardado na cave umida do meu prédio no 5, rue Henri Dubouillon 75020, Paris 20ème. continua lá, enquanto

e eu queria-dizer algo, hoje, aqui (80 anos depois de Ango, 40 depois de Azzurro, e alguns meses depois do Youtube) em Paris, pra fazer sentido do ano, do tempo, da amizade, da língua, do corpo, da casa, enfim, todos esses nomes do amor, mas não posso, porque não é nada disso, ou não é só isso, porque não é só sentido. não é só um sentido, porque é tudo no plural.

l'année de 2008 sera CONVULSIVE ou ne sera pas.