28 de fevereiro de 2010

'un mythe c'est abstrait,

et moi je ne suis pas abstraite'.

[Brigitte Anne-Marie Bardot].

bam ! My dad’s dead ! eu tenho a arma no limite da subjetividade, eu tenho aobjetiva e vou disparar. você me vê, mamãe, o dedo no gatilho, disparando contra o meu próprio pai ? repetindo o gesto, o mito fundador ? recomeçando toda a história do zero ? — não vê ? não, eu não quero dizer que todo esse silêncio entre nós seja feito de reticências e não-ditos, de histórias que nunca nos contamos mas que sempre estiveram aí, como fantasmas, como traumas absolutos de quem viveu o que ninguém devia ter vivido, a tortura, ahumilhação, o frio insuportável. o esquecimento. é muito isso, mas não só. você sabe : ninguém sabe. de nada. eu nunca soube de nada que não acabasse por tomar aquelas velhas formas narrativas, opacas e apressadas, de relatos surdos e mudos, de lembranças fugidias.

vous voici [1970. cenário : Rio de Janeiro, praia de Copacabana. evento : encontro familiar]

dad : “penso que com a prisão de algumas pessoas, eu temia que meu endereço fosse conhecido da polícia e passei a evitar o Leme. lembro de uma vez ter encontrado por acaso papai e mamãe passeando no calçadão de Copacabana. a imagem que eu tenho é que eles estavam muito bem (e “jovens”) e para mim o reencontro foi uma alegria inédita. meu pai tinha 65 anos e minha mãe 55. depois disso, só os encontraria em São Paulo, no Presídio Tiradentes”.

bam ! My dad’s dead ! porque eu posso. calar ou dizer,

me

voici

:

mãe, você me repete : você precisa matar seu pai, você precisa matar seu pai. não. está fora de questão, sentem e conversem, os dois juntos, tantos anos depois. sobre mim, sobre vocês.
façam um blog, que sei eu, uma máquina de falar.
sobre essas histórias engasgadas pelas tantas anistias, armistícios, interditos, e doenças degenerativas a que nos acostumamos. mãe, eu tenho a objetiva no limite da subjetividade, eu tenho a arma e não vou disparar. ora, você me pergunta : como não ? por que não ? que história é essa ? ora, mamãe, porque não é mais surpresa, a violência, o silêncio, o tédio, o medo, os anos '40, os anos '60, é a nossa história, eu sei, coisas da experência [a inocência ! a inocência !]. porque posso sentir toda essa memória clandestina, essa marginália que vocês devem ter vivido com seus pais ha tanto tempo, como se inscrita na minha própria vida secreta [a adolescência ! a adolescência !]. porque sinto poder tocá-la dos meus dedos brancos, é só meter a mão pelo forro do meu bolso de menino reservado [oh, shhht !] e sabê-la exatamente onde estranhamente sempre esteve. porque sinto poder acariciá-la ao meu prazer, sentir sua textura específica, seu peso, sua profundidade. porque sinto que poderia quase ler meu nome completo gravado [em alemão, letras góticas] numa bala em seu tambor :
você vê, Mãe ? você me vê ? disparando à queima roupa ? "le mythe est une parole", Roland Barthes, 1958.

blow

up !

tiens, te voici : n'est-ce pas le paradoxe du souci ?

« n’avais-je pas de quoi m’occuper plus utilement, après ce que je venais d’entendre ? le fait est que je ne commençais pas encore à prendre cette affaire au sérieux. et j’en suis d’autant plus étonné qu’une telle insouciance n’était pas de mon caractère [você calcula o quanto isso é verdade, não ?]. ou était-ce afin de me ménager encore quelques instants de calme qu’instinctivement j’évitais de réfléchir ? », Samuel Beckett, 1951.

"lucía, assim que nos despedimos naquela esquina da lagoa rodrigo de freitas liguei para a Mariana. ela não atendeu, por isso lhe enviei um email explicando que tinha ligado e que queria muito vê-la enquanto estivesse no rio. [terça-feira, 5 de janeiro de 2010, 13:49:12] não tem conteúdo, é só um convite à conversa. não foi respondido. tudo bem, cada coisa a seu tempo. quanto ao nosso encontro, ele foi fundamental porque não teve a menor importância. não tenho dúvida quanto a isso. um grande beijo, muito bom falar contigo, mesmo". dani.
[nous voici, donc, un an après ; or vous le savez, sûrement, « le changement d’objet ne fait pas forcément disparaître, bien loin de là, l’objet sexuel — l’objet sexuel accentué comme tel, peut venir au jour dans la sublimation. le jeu sexuel le plus cru peut-être l’objet d’une poésie, sans que celle-ci en perde pour autant une visée sublimante » Jacques Lacan, 1959-60].
"dani, faz um tempo me ocorreu que se a gente vai ter algum tipo de relação, ela não pode ser pacífica. enquanto houver negação do barulho, do que não se reduz ao diálogo, ao entendimento, à bandeira branca, todos os nossos encontros parecerão falsos. só o desentendimento pode fazer jus ao que fomos. a solução não é procurar a calmaria, mas lidar com o desconforto. ele é a possibilidade do nosso encontro. [terça-feira, 6 de janeiro de 2009 1:54:30] impossível reinventar o nosso mundo, a sua impenetrabilidade foi uma conversão súbita e irreversível. amei demais, para além da conta, e fui amada. o resto é exegese. é ?" luiza.

ora, fico cá pensando [o menino é um filósofo !], sozinho em meu quarto [é uma alma solitária !], não é essa a mesma condição, do amor e da história ? a ponderação minuciosa do silêncio das coisas, do nosso próprio silêncio, da violência estrutural dos homens, da nossa própria violência ? a insistência quase mecânica sobre as pequenas lacunas do discurso, sobre as nossas próprias lacunas ? a consciência aguda da reversibilidade das relações, das nossas próprias relações ? da inocência sem limites de um (suposto) amor puro e da violência sem limites da (alegada) inocência ?

mas é demasiado abstrato : não seria isso então, isso de contar ? isso de narrar ? isso de mostrar ? de aprender à mostrar do dedo, isso de querer abrir os olhos, de se abrir ao prazer de ver e ser visto, isso de se poder dizer, daqui, mas pra todo mundo

voici ! te voici, me voici, vous voici, nous voici !

pai, a gente toda se ama, trai, se distrai, dança, se entedia, foge, constrói, muda, espera, é torturada, tortura, nasce, morre, no pau de arara, na geladeira, nos porões da ditadura, nos campos de concentração, tem ganas de pegar numa arma e atirar no primeiro com que cruzar na rua, de atirar contra a própria testa. e pronto, o ultimo buraco. mas é a vida que segue, e o mesmo Serge Gainsbourg, filhinho complexado de judeus imigrantes russos, há de querer um dia se prendre un flingue ('58) na merda de uma fita para scopitone rodada no metrô parisiense e no outro ('67) comer a Brigitte Bardot, e dizer :


"j'aime les femmes en tant qu'objet, les belle femmes, les mannequins, les modèles. c'est le peintre qui revient en moi, je ne leur dit jamais je t'aime".

[uma outra forma de amor, malgré tout].

eh voilà, mon gars : depuis, les villes ouvertes se renferment dans les trous de leurs métropolitains, et hop, c’est l’ennui. on jette pas mal de morts dans pas mal de trous, par ci par là, et du coup, c’est l’oubli. depuis, c'est toute l'Europe qui revient à la maison, à pied, en bus, en train, j’sais pas moi, mais juste à temps de se mettre dans quelqu’autre trou, à l'abri de la terreur atomique, et nécessairement, là, c’est la peur.

[ou alors on change tout, vite, de nom, d’adresse, de foi, d’idéologie, on se casse quoi, ailleurs, mais vraiment ailleurs, tout en espérant, — au fond de son cœur et de sa valise, tu sais, c’est pareil —, de ne pas avoir à se retrouver, de l’autre côté du monde, face aux mêmes merdes qu’on a dû fuire et faire pour être encore , dans ce train, dans ce bateau, dans ce bus].

EXTRA, EXTRA : voici, messieurs dames, la vie qui suit, l’invention de l’ennui ! Paris sans les nazis, oh, que c’est chiant…
mais non, ni radio ni cinema, l'histoire à venir s'affichera sur un Sco-pi-to-ne !


putain, un quoi ? pués este invento de la era del ócio no era más que una máquina de discos acompañados con una película de 16 mm y le propusieron grabar la primera cinta al hombre que había revolucionado la canción francesa. en el año 1958 se grabó, en la linea 3 del metro de Paris, a Serge Gainsbourg para dar imagen al tema le poinconneur des lilas, pour invalides changez à opera.
plano-sequência [duração : aproximadamente 3 anos]
voltar, esboço. "rentre où ?". "n'importe, en pologne, à paris, à rio". "t'es pas sérieux ! non. comment ? à pied ? en train ? en bus ? en bateau ?
[surement pas en metrô, surement pas à Paris : inutilisée en service commercial depuis 1939, la station porte des lilas - voie navette (reliant la ligne 3 à la 7) a été reconvertie en plateau de tournage pour la publicité et le cinéma, le tournage dans les stations du métro ouvertes au public étant trop contraignant, vu la trop courte interruption nocturne ne permettant pas leur utilisation].
à Paris depuis, on s'embête, à Paris depuis, on s'amuse, Paris c'est une fête !
— et après ?

oui, on nous a pris en photo, on est là, on est encore là, je veux dire, en voici l'indice. mais bon, à partir d'un moment donné, il faut se le dire, on se sait plus rien, personne sait plur rien, personne n'a plus rien vu, et du coup on se retrouve à bricoler des faux souvenirs, à manier des dates qu'on n'a pas vécu soi-même, en essayant de combler ces absences pénibles par nos propres vies, par nos propres récits. c'est bien entendu, impossible. c’est peut-être débile, c’est même désespéré, je vous entende déjà dire, mais bon, voici, c’est tout ce qu’on a :

une photo ne fait pas un album toute seule.

27 de fevereiro de 2010

1945
e ninguém sabe de nada.

em 5 de maio, o complexo de Gusen-Mauthausen é o último a ser libertado pelas tropas do 3º Exército dos Estados Unidos, que desarmam os policiais e se retirarm em seguida. alguns prisioneiros morrem ao ingerir a comida enlatada americana. embora a grande maioria dos oficiais SS já tivessem fugido, os cerca de 30 restantes do pessoal de apoio que ainda restavam foram linchados aí mesmo pelos prisioneiros.

[mitológica

: meu avô assistido a isso ? meu avô teria feito isso ?]

coordenadas : junho de 1940, meus avós deixam o campo provisório Stallag VII-A. [partem de Görlitz com a família, por trem, suponho].





e depois ?





de julho de 40 até 45 ? [vovó : Auschwitz-Birkenau, 4 invernos ? ]

de 45 até 48 ? [reencontram-se. onde ? quem está faltando ?]

de 48 até dezembro de 1985 ? [leme, rio de janeiro]


mardi 20 août, 1940, le premier train de la déportation part de la France.

indicações para cena 2 [cenário : São Paulo, Rua São Carlos do Pinhal. evento : captura de elemento subversivo. tecnica : travelling rápido]
pai : “nesse momento dois policiais me pegaram pelas costas e um deles me apontou uma pistola para o peito; fui algemado e colocado no chão de uma caminhonete, que seguiu em velocidade, com a sirene ligada para a OBAN”.
mercredi 12 février, 1940, les nazis commencent à déporter les juifs allemands vers la Pologne.

corte : paralelismo histórico, edição dinâmica. say, vertov ? non, plutôt futuristes italiens, 1916. item 13 - EQUIVALENCES LINEAIRES PLASTIQUES, CHROMATIQUES, ETC. d'hommes, femmes, événements, pensées, musiques, sentiments, poids, odeurs, bruits CINEMATOGRAPHIQUES (nous donnerons, avec des lignes rose sur blanc, le rythme intérieur et le rythme physique d'un mari qui surprend sa femme adultère et poursuit l'amant - rythme de l'âme et rythme des jambes).

French Things are Cool.





Old French Things are Cool. French Films are Cool. Therefore, Old, French Films are Really Really Cool.

Ancient French Saying


la totalité de la ligne 11, sur laquelle se trouve la station Porte-des-Lilas, située à grande profondeur, est réquisitionnée le vendredi 12 mai 1944 après les durs bombardements de l'ensemble du secteur nord des installations de la CMP [compagnie du chemin de fer métropolitain de paris], notamment l'atelier central de Championnet et les ateliers de Saint-Ouen, pour y installer des ateliers de réparation de la Wehrmacht. or, dès 1940, la dénonciation des résistants, communistes ou francs-maçons était déjà incentivée, tandis que les juifs n'avaient le droit de monter que dans le dernier wagon de la rame.

no papa, radio will become CI-NE-MA !



14 juin : aucune parution de journaux à Paris. pour informer les quelques Parisiens encore présents en ville, des voitures diffusent des messages par haut-parleur. le message commence ainsi : « Les troupes allemandes occupent Paris ».


dad : they’re not shooting history down there, there are shooting people !

son : isn’t it the magic of the movies, papa ? that delightful ambiguity of things ? that strange pleasure of the eyes ?

entr'acte : 1940

"...après sa première campagne victorieuse, Hitler se tourne vers l'ouest, mais rien ne se passe sur ce front pendant plusieurs mois. retranchés derrière la ligne Maginot, les alliés attendent l'assaut des forces allemandes elles-mêmes retranchées derrière la ligne Siegfried. c'est un conflit sans combats majeurs si ce n'est quelques escarmouches de patrouilles de reconnaissance…

drôle de guerre, pourrait-on dire, et tout à coup… ! [juin] vendredi 14. entrée des blindés de Rommel et Guderian dans une Paris vidée, dans une Paris ville ouverte".

26 de fevereiro de 2010

indicações para cena 1 [cenário : Europa oriental, evento : ofensiva de setembro].

sábado 16, a cidade de Varsóvia é cercada pelo exercito alemão. domingo 17, a União Soviética invade a Polônia pelo fronte do leste — o governo polonês, resistente, refugia-se atrás das linhas de oposição romenas. quinta-feira 28, face à pressão soviética, os mesmos dirigentes vêem-se obrigados à mudar-se para Paris. sexta-feira 29, uma Polônia atônita capitula frente aos invasores.

radio: "Poland has collapsed ! I repeat : this Friday, September 29, 1939, Poland has collapsed".

trilha :
you're listening to history in the making, son ! and you don’t even really need to do anything, we're just staying here, quiet, listening to the beautiful sound of history in the making, son !

terça-feira 5, os Estados-Unidos declaram sua neutralidade, a França lança-se numa ofensiva menor na região de Sarrebruc afim de aliviar o front polonês.

25 de fevereiro de 2010

narrativa : domingo 3. Adolf Hitler, ainda que surpreso com a reação do ocidente, rejeita o ultimato formulado por estes países — a guerra é declarada pela França, Inglaterra, Austrália e Nova-Zelândia.

here, in the quiet of our home, come the sounds of actual battles overseas. the thunder of big guns. the roar of bombers. the voices of statesmen and generals — and GI Joes at the foxhole at the front...

setembro, 1939: "sexta-feira 1, a Polônia é invadida pela Alemanha com blindados Panzer, a cavalaria polonesa é pega de surpresa, os governos francês e inglês reagem prontamente — é declarada a mobilização geral !"

...as I was saying, son, history today unfold before a microphone. radio has done away with space and time. radio future will be greater than its past.

23 de fevereiro de 2010

PHEDRE : voyons un peu cette vérité si fragile.

SOCRATE : je n’ose guère t’en offrir l’amusement…


ro

tei

ro

[para oswald de andrade]



PHEDRE : mais c’est toi qui l’as proposé !

SOCRATE : oui, je la croyais la plus honorable à exposer… mais à mesure que je m’approche, et me trouvant tout près de la dire, la pudeur me saisit, et je ressens quelque vergogne à te faire connaître cette naïve production de mon âge d’or.

PHEDRE : quel amour-propre ! tu oublies que nous sommes ombres… que nous sommes bien morts...

15 de fevereiro de 2010

silêncio no set ! estamos rodando a novíssima cartografia carioca!

dossier de presse : pois à essa altura da coisa, penso, vocês devem ter adivinhado : ei-lo aí, ao centro da imagem — o fenomenólogo alienado, o surrealista morto, o futurista corolário, o cogito do medo, o índio de fraque, o prático-anarquista começo de século, o judeuzinho complexado, o filhinho da mamãe, o realista pictórico, o mitógrafo da novíssima cena carioca...

ei-lo aí pensando em como dizer, pelos intervalos mesmo da escrita, num tom abaixo portanto, o silencio natural das coisas da história. no mesmo tom dos velhos cadernos, notas, jornais, manchetes, rabiscos, pinturas, bobinas, tapes e películas de um álbum de família impossível ; todos esses nomes rodando como máquinas de sentido, no tom mesmo do documento, que não pode senão dizer : voici ! voici l'histoire !

2 de fevereiro de 2010


"a merda parece dissipar-se [constato], por pouco que seja. o ar se torna mais tragável.

[tempo - o sentido das aspas]
e talvez fosse melhor ter anotado [penso] o dia 01/08/08, em que andando sozinho pela bela Paraty, a Mãe liga para dizer a chegada da carta que não chega : favorable em letras grandes [imagino], o dia brilhando na cidade, o livro de Beckett debaixo do braço, a taça de café saboroso sobre a mesa. mas não, porque estava sem o caderno [moleskine preto 2008], no melhor dia desse estranho ano [considero] que parece não passar, desse ano que deveria ter sido [lembro] algo como o ano do corpo, mas [julgo] em que me crescem as banhas e caem os cabelos. e estava sem o caderno — pela mesma razão [explico-me] pela qual deixei de anotar os últimos três meses, os mais duros [pondero], até onde me corre a memória [...]".

"é que não houve anotação ou pensamento qualquer [sinto] que pudesse ter me valido de alguma coisa.
algo então que pudesse ter sido rabiscado, aí.nada, rigorosamente nada [preciso], e as lacunas nas datas dizem mais [concluo] do que a letra débil de hoje jamais poderia".